terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Hoje tem marmelada? Tem, sim, sinhÔ!


Aconteceu no último domingo, dia 09 de fevereiro, a já tradicional Festa do Marmelo do povoado Mesquita, uma comunidade quilombola pertencente ao Município de Cidade Ocidental - GO, entorno de Brasília – DF. Eu e o Dono da roça fomos lá prestigiar. Fui, gostei e compartilho agora c'ocês.


Segundo contam, a cultura do marmelo na comunidade data do século XVIII, quando as primeiras mudas do marmelo (Cydonia oblonga) foram trazidas de Portugal para o Brasil e os boiadeiros trouxeram ao interior de Goiás ao cruzar os sertões.

A origem do povoado e da tradição da marmelada, segundo contam, se deu da seguinte forma: Mesquita era uma fazenda do capitão português Paulo Mesquita, que com o declínio da mineração resolveu abandonar as terras e então deixou a fazenda de herança para três escravas alforriadas vindas de Portugal que trabalhavam para ele e que ali ficaram vivendo e constituindo família. É delas a receita da marmelada. O quilombo foi se formando e ganhando força a medida que negros fugiam de garimpos e outras fazendas onde eram muito maltratados.
Antônia Pereira Braga (1900-2012)
uma das moradoras mais antigas de que se há registro do Quilombo Mesquita.
Completaria 114 anos no próximo 2 de maio
(reportagem mais completa, aqui:
 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/55405-centenaria-quilombola-de-mesquita.shtml )

Os filhos se casavam entre as famílias do próprio povoado e viviam praticamente isolados da maneira tradicional. A comunidade plantava para sua subsistência e vendia os excedentes em Luziânia, antes conhecida como Santa Luzia. Daí, certamente, nasceu o nome da marmelada: Santa Luzia (nome usado até os dias atuais). E  assim seguiram - cultivando suas tradições e costumes, tendo no marmelo e na marmelada (o doce feito a partir do marmelo) a tradicional fonte de boa parte dos seus recursos externos.

João Antônio e sua marmelada
Seus descendentes seguiram a fabricação artesanal da marmelada, ou seja, o doce é embalado em caixas de madeira, feita pelos próprios produtores pois a marmelada conserva-se melhor em contato com a madeira.
Mauro Melo, produtor e fabricante do doce de marmelo no Quilombo Mesquita,
municipio de Cidade Ocidental Goiás
Lavagem e seleção do marmelo
 
Para a feitura do doce - o tacho de cobre. O fogão - um espetáculo a parte.
Cozimento do fruto do marmelo para fazer a polpa e depois o delicioso doce

Além da marmelada, a comunidade produz também, há mais de um século, a goiabada que também é feita artesanalmente, armazenada em caixinhas de madeira. Preservam e divulgam em eventos anuais esta herança econômica, histórica e cultural. Hoje em dia, com energia e frízeres, armazenam a poupa da fruta congelada, de forma que os marmeleiros, como são chamados, podem produzir os doces durante o ano todo.
A receita para se fazer a marmelada é simples: água, açúcar, marmelo maduro e fogo. Agora, quero ver a gente conseguir juntar 200 anos de tradição local no feitio dessa gostosura/iguaria brasileira.

A embalagem tradicional e usada por todos os produtores do doce no povoado
Fica, então, o meu registro dessa celebração à cultura, aos costumes e tradição de um povo injustiçado que conta, da forma mais sofrida, a história do nosso país. Apesar de todos os percalços que ainda enfrentam, como: a falta de incentivo para que a marmelada esteja ao alcance de mais consumidores e, o mais importante,  a certificação e legalização definitiva de uma terra que já foi demarcada como território quilombola pertecente ao Mesquita, esse povoado segue firme no propósito de preservar sua identidade. Como eles bem dizem: "um povo que nega sua raça, nega a si próprio".
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário